O Autoramas e o tal do "crowdfunding"

Financiado através de um inovador esquema de parceria, o tal do “Crowdfunding”, o Autoramas lançou no fim do mês passado, seu sexto álbum intitulado Música Crocante. O trabalho marca um retorno do grupo ao som de guitarras sujas e timbres robóticos já tão característicos do trio.
Fundado em 1997, a banda continua mantendo sua relevância e despontando como nome emblemático do rock independente feito na virada dos anos 2000. Tal relevância, de fato, contribuiu também para a forma como o novo álbum foi bancado.
Através de uma parceria com o site www.embolacha.com.br, fãs podiam se cadastrar e contribuir com uma determinada quantia em dinheiro para ajudar a bancar os custos de produção e gravação do trabalho. Em troca, a banda concedia ao fã um benefício diferente e proporcional à quantia paga (que iam desde download antecipado do trabalho e ingressos exclusivos para shows até uma guitarra do acervo pessoal da banda). O esquema é conhecido na gringa como "crowdfunding" ou algo como "arrecadação da multidão" em português.
Se a iniciativa ainda é uma recente no país, com o tempo pode se tornar cada vez mais válida, especialmente para bandas que já tendo uma certa audiência conquistada, precisam buscar recursos para continuar se inserindo em uma cena cada vez mais concorrida e saturada.

Sobre o novo álbum e o sistema pelo qual ele foi financiado, trocamos uma idéia com a baixista do grupo, Flávia Couri, que revelou mais detalhes sobre a produção de “Música Crocante”.

Bruno - O que vocês andaram ouvindo (bandas, cantores) e re-ouvindo durante o processo de composição e gravação do álbum?
Flávia - Eu tenho ouvido muito pop francês dos anos 60, especialmente cantoras como Sylvie Vartan, France Gall, Adele e Brigitte Bardot no album Bonnie & Clyde, com o Serge Gainsbourg. Sempre que a gente viaja em turnê acaba conhecendo novas bandas e trazendo um monte de vinis, e como tocamos em Paris eu fiz a festa. Na nossa última viagem ao Peru, compramos muitos vinis de psicodelismo peruano, como Los Yorks e Saicos. O Gabriel trouxe uma coleção enorme de cumbia, o que com certeza influenciou na composição de “Guitarrada II”. Tenho curtido também Messer Chups, Black Keys e o novo album da Wanda Jackson, além dos clássicos que não saem da vitrola, Kinks, Stones, Beatles, Shangri-las, Duane Eddy, B 52’s, Ike & Tina Turner, Rita Lee... Nós três somos apaixonados pela jovem guarda, pela new wave e pelo soul/rhythm n’ blues dançante.

Bruno - O último álbum ( MTV desplugado ) foi um formato que saiu um pouco da linha dos álbuns mais convencionais da banda, foi gravado ao vivo e baseado em instrumentos acústicos. Depois dessa mudança, como foi retornar ao formato "plugado" tocando em estúdio? Precisaram se acostumar novamente? A pegada foi muito diferente?
Flávia - Que nada, a sensação foi como voltar pra casa! A experiência do Desplugado influenciou muito a sonoridade do disco novo. Como o objetivo era re-inventar músicas antigas do Autoramas com instrumentos acústicos, o projeto levou a gente a explorar mais os arranjos instrumentais e vocais. Acho que estamos cantando melhor e que tivemos um cuidado maior na pré-produção do disco, o que talvez antes do Desplugado não rolava. A pegada ao vivo a gente curtiu e tentou manter no Música Crocante – foi tudo gravado muito rápido – só que com o peso das guitarras e toda a liberdade de criação que uma gravação de estúdio permite.

Bruno - Como foi trabalhar com Gabriel Zander? Rolou muito diferente do trabalho com Kassin ( quem assinou o Teletransporte )
Flávia - Não tive a experiência de trabalhar com o Kassin, infelizmente. Trabalhar com o Gabriel Zander, o Bil, foi ótimo. Ele é um cara muito talentoso e musical, além de tranquilo e cuidadoso. Ele nos deixou muito à vontade. Acho que um bom produtor tem que, acima de colocar sua impressão digital no som de uma banda, entender a proposta e trabalhar junto com os músicos pra atingir esse objetivo. Fazer com que a banda soe da melhor maneira possível, dentro de seu próprio estilo. E foi exatamente isso que o Bil fez, entendeu nosso som e ficou do nosso lado, ajudando a realizar e contribuindo com as idéias. Estamos todos muito satisfeitos com o Música Crocante e adoraria repetir essa parceria no futuro.

Bruno - O que mudou no processo de criação das faixas nesse álbum? Normalmente é mais coletivo, ou parte tudo de idéias individuais?
Flávia - Geralmente o Gabriel traz o esqueleto da música pro estúdio e começamos a trabalhar o arranjo coletivamente. O disco também tem duas parcerias dele com pessoas que conhecemos em turnês na pela América do Sul, o Maxi Martina, que é um jornalista argentino, em “Verdugo” e os Supersônicos, banda de surf music uruguaia, em “Máquina”. Como esse foi o primeiro disco de inéditas que gravei com o Autoramas, pude contribuir com duas composições minhas, e o processo foi o mesmo, trabalhamos as idéias originais juntos no estúdio. E gravamos duas músicas de outros compositores, “Domina”, do Rubinho Jacobina e “Sem Privilégios”, da banda Liss.

Bruno- Sobre o esquema de "crowdfunding", vocês que já tem um bom tempo de estrada, vêem nisso uma boa idéia também para bandas novas, ou ainda é uma opção mais viável pra quem tem já um público formado?
Flávia - Acho que é mais uma ferramenta disponível para as bandas independentes. É uma nova maneira de realizar projetos sem a necessidade de um empresário, um investidor, uma gravadora ou de leis de incentivo à cultura; uma relação direta entre artista e público. Hoje é comum as bandas terem muitos seguidores na internet, se cada um deles topar ser um co-financiador de um projeto de crowdfunding, seja um CD, festival, ou show, muita coisa boa que sem apoio nunca viria à luz poderia ser viabilizada. E tanto o artista quanto o público sairiam ganhando com isso. O lance é que o crowdfunding ainda é um conceito novo pra muita gente, que ainda causa um certo estranhamento. Mas na real é como comprar um apartamento ainda na planta.

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