Woodstock Pé Vermelho - Parte 2

Nesta segunda parte  sobre o Colher de Chá (primeira parte, clique aqui), saiba como foi a sua organização e como um festival que exclamava por liberdade de expressão artística conseguiu se concretizar em uma época em que a repressão militar ditava a ordem no país.  

Na preparação do Colher de Chá

Paulo Troiano,  conhecido como Paulão Rock ‘n Roll, foi na época um dos responsáveis pelo contato com as bandas que se apresentaram no Colher de Chá. Viu as filmagens do Woodstock pela primeira vez e ficou encantado com a dimensão do festival. Queria  fazer algo semelhante na região, um festival que tocasse rock’n roll a céu aberto. Paulão  levou o projeto para a Secretaria de Cultura de Londrina. Não deu certo. O estilo baseado nos movimentos de contracultura e rebeldia em que o festival se baseava, não era bem visto em uma época onde a ditadura determinava as regras.
Paulão não desanimou. Ficou sabendo que Cláudio Coimbra - um dos responsáveis pela criação e direção geral do  “Colher de Chá” - iria fazer uma festa de lançamento de dez tonéis de pinga no Clube Recreativo Cascata de Cambé. Perguntaram-lhe se conhecia uma banda que podia tocar na festa. Paulão conhecia, poderia trazer  "Os Mutantes". Anos antes do festival, Paulão havia encontrado Arnaldo Batista pela primeira vez. Ele lembra com saudade daquele momento: “Conheci o Arnaldo no bairro de Bexiga, ele tinha uma Kombi e estava andando com as portas abertas e me convidou pra entrar. A Kombi parecia um bar ambulante”.
Paulão e Claúdio Coimbra seguiram rumo a São Paulo encontrar Arnaldo Batista na Serra da Cantareira. Com a possibilidade de fazer um show nos moldes do Woodstock, “Os Mutantes” se interessaram pela proposta e aceitaram fazer parte do Festival. Ali começava a surgir a idéia da dimensão que o “Colher de Chá” poderia alcançar.

Cenas de Woodstock de 1969, filme que inspirou Paulão a organizar um festival

Enquanto em São Paulo os músicos se preparavam, em Cambé ainda havia muitos detalhes para serem acertados. Uma casa de madeira que havia na chácara se tornou o centro da organização do festival, um mês antes do Primeiro Concerto de Rock Brasil acontecer. A Chacará Cascata não tinha gerador de eletricidade e foi necessário comprar um que suportasse a potência dos equipamentos. A Prefeitura de Cambé cedeu duas casas de madeiras, que foram desmontadas e  utilizadas na construção do palco, que foi projetado por Wilson Vidotto.  Eram 15 metros  de comprimento por 7 de largura. Em cada ponta do palco foram instaladas os amplificadores, em uma torre com os amplificador com dois metros de altura. Outra curiosidade é que a Chácara Cascata possui a forma de um triangulo e três é um número considerado místico - na época o misticismo era bastante presente no movimento hippie.  Paulão Rock ‘n Roll ainda destaca:
Eu dividi a arena em 12 signos, e botei um bambu com uma flâmula e com o desenho de cada signo. E o povo ia entrando dentro do show e ia ficando os do signo de câncer ali, escorpião aqui. E não tinha ninguém mandando ir lá, foi espontâneo.
A magnitude do festival foi mais divulgada em outras regiões do Brasil, do que na para própria cidade. Os organizadores  viajaram em alguns estados próximos, como o Rio de Janeiro para divulgar o festival. César Cortês que participou do “Colher de Chá” lembra que ele saiu  de Kombi por todo o estado pregando cartazes do festival.

A ditadura e a região dos Festivais

Festivais de música não eram uma novidade para a população da região, embora a Música Popular Brasileira fosse sempre a maior expressão.  No mesmo ano de Woodstock, em 1969, foi realizado o I Festival da Canção de Cambé, que resultou na gravação de um Compacto Duplo e a revelação da cantora Neuza Pinheiro. Wilson Vidotto, o Bidu, foi organizador dos dois festivais (Colher de Chá e Festival da Canção):
Já havia um trabalho anterior, um trabalho literário e musical. Esse período cultural em Cambé culminou com o inicio desse movimento dos festivais. Já se fazia festival da Record em São Paulo, um dos primeiros festivais no período da ditadura. No inicio projetou-se na região um formato de novos eventos, produtores e artistas, um movimento da região. Começou com Festival da Canção em seguida, o Movimento Universitário em Londrina e veio desaguar no FILO, Festival Internacional de Teatro de Londrina. No principio, nenhum movimento livre esteve agregado a nenhuma Secretária de Cultura, a nenhum partido político e nenhum poder de capital de grupos que querem eventos em beneficio financeiro. Da reunião que era feita em São Paulo na Praça da República, reuníamos na Praça em Londrina da Bandeira, formou-se um movimento “underground” e originou o “Colher de Chá”.
Wilson Vidotto, um dos organizadores do festival.
A população da região ainda não tinha experimentado um evento de rock ‘n roll realizado em céu aberto, com um caráter tão contestatório à cultura vigente e multicultural.
A dificuldade de produzir um evento em alguma capital, como São Paulo ou Curitiba, devido a repressão da ditadura, fez com que a concentração de festivais musicais em Londrina aumentasse. O Primeiro Concerto de Rock Brasil foi resultado desse processo.
Parece estranho que um festival influenciado por Woodstock ocorreu em plena ditadura. No “Colher de Chá”, nem as famosas duplas de policiais conseguiram impedir o uso da maconha no evento. A precária estrutura policial da época, não havia como impedir e prender todos os usuários da droga. Neste dia houve um fato corriqueiro, o uso foi liberado dentro do festival com o consentimento dos policiais. A juventude que clamava por liberdade e lutava contra a repressão parecia não ter ido ao concerto. O Festival embora rico culturalmente não teve nenhuma crítica ou embate mais incisivo contra a ditadura.
Enquanto estudantes  iam as ruas se opor à ditadura, os mochileiros do Colher de Chá estavam  preocupados com a liberdade de expressão na arte. Charge de Vagner Tadeu Moura ( 1948 - 1970), Correio da Manhã, 23/06/1968


Semana que vem será postada a última parte da reportagem Woodstock Pé Vermelho. 
Aguarde.

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